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A face oculta da profissão de treinador de cães!

Costumo dizer que tenho a melhor profissão do mundo, e sinto-me um privilegiado por ganhar a vida a treinar cães e a dar formações na área.

A verdade é que, nem tudo na nossa profissão é um mar de rosas, principalmente, quando lidamos com problemas comportamentais, existe uma enorme carga emocional associada ao nosso trabalho.


Lidar com cães problemáticos, por si só, já é um desafio, no entanto, os tutores destes cães, também entram na equação, pois temos que aprender a lidar com pessoas em desespero, pessoas e respetivos familiares em risco. Essas pessoas que muitas vezes depositam a réstia de esperança que têm, nos nossos serviços. Quer queiramos quer não, é uma enorme responsabilidade da nossa parte, pois o futuro daquele cão está nas nossas mãos!


A partir do momento que assumimos um caso complicado, temos que colocar todos os pontos nos ís. Temos que avaliar os riscos associados, temos que avaliar se é seguro ou não, aquele cão permanecer naquela habitação, ou se é preferível encontrar outro lar para o mesmo, ou em casos mais dramáticos, ponderar a eutanásia. Sim, é um desfecho tabu, mas é também uma opção que TEM que estar em cima da mesa. É um desfecho que NINGUÉM quer, mas quando há vidas em risco (bebés, crianças, pessoas de idade, outros animais...) não podemos descartar esta via. É uma opção que deve ser discutida entre a família, o médico veterinário e o treinador, no entanto a decisão final será sempre feita pelos tutores.

Alguns fatores que pesam nestas decisões são: inibição de mordida do cão, historial de agressividade, porte do cão, contexto onde ele vive, problemas de saúde associados, o estado de espírito dos tutores, agregado familiar que convive com o cão, garantia de gestão e prevenção (risco Zero), entre outros.


No meu dia a dia, recebo dezenas de chamadas, a verdade é que existem determinados contactos, que me assustam quando os vejo no ecrã do telemóvel. Falo nos casos críticos que tenho! O primeiro pensamento que me vem à cabeça nestas situações é "o que terá acontecido de grave!?" Inconscientemente, e fruto do historial do cão, somos pessimistas, e por antecipação imaginamos o pior! Por vezes, somos surpreendidos pela positiva, com excelentes notícias, outras vezes ouvimos logo um choro e soluços do outro lado, com notícias preocupantes. Somos profissionais, deveríamos estar preparados para estas situações, mas não! Somos seres vivos, somos seres emotivos, e sofremos, tal como os tutores. Alguém depositou confiança nos nossos serviços e temos que corresponder! Alguém procurou ajuda para o seu cão, e fomos o escolhido! Estamos juntos nesta batalha, e queremos todos o melhor para o cão. E eu pessoalmente, tenho muita facilidade em criar vínculos que perduram, com os tutores e respetivos cães, ou seja, partilho a dor deles, no que toca ao seu animal de estimação.


Confesso que no passado, nos meus primórdios anos enquanto treinador, tinha alguma dificuldade em separar o lado profissional do lado pessoal. Isto significa que, trazia sempre, as preocupações do trabalho para casa, e isso afetava a minha sanidade mental. Hoje em dia, e fruto da experiência adquirida, consigo separar melhor estes dois mundos, mas é impossível separá-los na totalidade.


Os cães que treino, passam a ser um pouco meus! Porquê? Porque quando os vejo, fico contente e quando os vejo partir fico triste. Esta resposta emocional, significa que os mesmos não me são indiferentes!


Gostava de afirmar que tenho a solução para todos os problemas, mas estaria a mentir! Infelizmente, como em qualquer profissão, não existe, nem nunca existirá o profissional perfeito! Os 95% de taxa de sucesso que temos, deveriam ser suficientes para nos sentirmos os maiores, mas não! Os 5% de taxa de insucesso, fazem-nos repensar sobre, onde erramos? O que poderíamos ter feito de diferente? Obrigam-nos a continuar a investir na formação e a sermos cada vez melhor, para tentar não errar no próximo!


Devem-se estar a questionar o porquê de ter escrito este texto, e a resposta é simples. Hoje um caso entrou nos meus 5% de insucesso! Este é o lado obscuro da nossa profissão. Deveríamos estar mais do que felizes com os sucessos, mas são os insucessos que se sobrepõem, que nos tiram horas de sono, que nos fazem repensar nas nossas metodologias de trabalho. São estes pequenos (grandes) fracassos, que nos afetam emocionalmente.


A verdade é que amanhã, há mais casos para recuperar, e temos de estar de consciência tranquila, de que demos o melhor neste caso (apesar de não ter sido suficiente)!


"A sabedoria só vem com experiência e a experiência só se constrói aprendendo com os próprios erros."

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